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Ontem à noite e antes de dormir,
a mais pura alegria
de um céu
no meio do sono a escorregar, solene
a emoção            e a mais pura alegria
de um dia entre criança e quase grande
e era na aldeia,
acordar às seis e meia da manhã,
os olhos nas portadas de madeira, o som
que elas faziam ao abrir, as portadas
num quarto que não era o meu, o cheiro
ausente em nome
mas era um cheiro
entre o mais fresco e a luz
a começar           era o calor do verão,
a mais pura alegria
um céu tão cor de sangue
que ainda hoje, ainda ontem antes de dormir,
as lágrimas me chegam como então, e de repente,
o sol como um incêndio largo
e o cheiro           as cores
Mas era estar ali, de pé, e jovem,
e a morte era tão longe,
e não havia mortos nem o seu desfile,
só os vivos, os risos, o cheiro
a luz
era a vida, e o poder de escolher,
ou assim o parecia:
a cama e as cascatas frescas dos lençóis
macios como estrangeiros chegando a paÃs novo,
ou as portadas abertas de madeira
e o incêndio           do céu
Foi isto ontem à noite,
este esplendor no escuro e antes de dormir
……
Hoje, os jornais nesta manhã sem sol
falam de coisas tão brutais
e tão acesas, como povos sem nome, sem luz
a amanhecer-lhes cor e tempos,
de mortos não por vidas que passaram,
mas por vidas cortadas a violência de ser
em cima desta terra           sobre outros mortos
mal lembrados ou nem sequer lembrados
E eu penso onde ela está, onde ela cabe,
essa pura alegria recordada
que me tomou o corredor do sono,
se deitou a meu lado ontem à noite
tomada novamente           tornada movimento,
mercadoria bela para cesta de vime muito belo,
como belo era o céu daquele dia
Onde cabe a alegria recordada
em frente do incêndio que vi   ontem de noite?
onde   as cores da alegria?   o seu corte tão nÃtido
como se fosse alimentado a átomo
explodindo
como fazer de tempo? como fingir o tempo?
……..
E todavia     os tempos     coabitam
E o mesmo     corredor dá-lhes espaço
e lume
~ Ana LuÃsa Amaral