• ABOUT
  • PRINT
  • PRAISE
  • SUBSCRIBE
  • OPENINGS
  • SUBMISSIONS
  • CONTACT
The Missing Slate - For the discerning reader
  • HOME
  • Magazine
  • In This Issue
  • Literature
    • Billy Luck
      Billy Luck
    • To the Depths
      To the Depths
    • Dearly Departed
      Dearly Departed
    • Fiction
    • Poetry
  • Arts AND Culture
    • Tramontane
      Tramontane
    • Blade Runner 2049
      Blade Runner 2049
    • Loving Vincent
      Loving Vincent
    • The Critics
      • FILM
      • BOOKS
      • TELEVISION
    • SPOTLIGHT
    • SPECIAL FEATURES
  • ESSAYS
    • A SHEvolution is Coming in Saudi Arabia
      A SHEvolution is Coming in Saudi Arabia
    • Paxi: A New Business Empowering Women in Pakistan
      Paxi: A New Business Empowering Women in Pakistan
    • Nature and Self
      Nature and Self
    • ARTICLES
    • COMMENTARY
    • Narrative Nonfiction
  • CONTESTS
    • Pushcart Prize 2017 Nominations
      Pushcart Prize 2017 Nominations
    • Pushcart Prize 2016 Nominations
      Pushcart Prize 2016 Nominations
    • Pushcart Prize 2015 Nominations
      Pushcart Prize 2015 Nominations
    • PUSHCART 2013
    • PUSHCART 2014
Fiction, LiteratureJune 17, 2016

O Homem

Artist Work

Artist Work by Ivy Hon mei Chan. Image Courtesy: ArtChowk Gallery

Click here to read this story in English.

Era uma tarde do fim de Novembro, já sem nenhum Outono.

A cidade erguia as suas paredes de pedras escuras. O céu estava alto, desolado, cor de frio. Os homens caminhavam empurrando-se uns aos outros nos passeios. Os carros passavam depressa.

Deviam ser quatro horas da tarde de um dia sem sol nem chuva.

Havia muita gente na rua naquele dia. Eu caminhava no passeio, depressa. A certa altura encontrei-me atrás de um homem muito pobremente vestido que levava ao colo uma criança loira, uma daquelas crianças cuja beleza quase não se pode descrever. É a beleza de uma madrugada de Verão, a beleza de uma rosa, a beleza do orvalho, unidas à incrível beleza de uma inocência humana.

Instintivamente o meu olhar ficou um momento preso na cara da criança. Mas o homem caminhava muito devagar e eu, levada pelo movimento da cidade, passei à sua frente. Mas ao passar voltei a cabeça para trás para ver mais uma vez a criança.

Foi então que vi o homem. Imediatamente parei. Era um homem extraordinariamente belo, que devia ter trinta anos e em cujo rosto estavam inscritos a miséria, o abandono, a solidão. O seu fato, que tendo perdido a cor tinha ficado verde, deixava adivinhar um corpo comido pela fome. O cabelo era castanho-claro, apartado ao meio, ligeiramente comprido. A barba por cortar há muitos dias crescia em ponta. Estreitamente esculpida pela pobreza, a cara mostrava o belo desenho dos ossos. Mas mais belos do que tudo eram os olhos, os olhos claros, luminosos de solidão e de doçura. No próprio instante em que eu o vi, o homem levantou a cabeça para o céu.

Como contar o seu gesto?

Era um céu alto, sem resposta, cor de frio. O homem levantou a cabeça no gesto de alguém que, tendo ultrapassado um limite, já nada tem para dar e se volta para fora procurando uma resposta: A sua cara escorria sofrimento. A sua expressão era simultaneamente resignação, espanto e pergunta. Caminhava lentamente, muito lentamente, do lado de dentro do passeio, rente ao muro. Caminhava muito direito, como se todo o corpo estivesse erguido na pergunta. Com a cabeça levantada, olhava o céu. Mas o céu eram planícies e planícies de silêncio.

Tudo isto se passou num momento e, por isso, eu, que me lembro nitidamente do fato do homem, da sua cara, do seu olhar e dos seus gestos, não consigo rever com clareza o que se passou dentro de mim. Foi como se tivesse ficado vazia olhando o homem.

A multidão não parava de passar. Era o centro do centro da cidade. O homem estava sozinho, sozinho. Rios de gente passavam sem o ver.

Só eu tinha parado, mas inutilmente. O homem não me olhava. Quis fazer alguma coisa, mas não sabia o quê. Era como se a sua solidão estivesse para além de todos os meus gestos, como se ela o envolvesse e o separasse de mim e fosse tarde de mais para qualquer palavra e já nada tivesse remédio. Era como se eu tivesse as mãos atadas. Assim às vezes nos sonhos queremos agir e não podemos.

O homem caminhava muito devagar. Eu estava parada no meio do passeio, contra o sentido da multidão.

Sentia a cidade empurrar-me e separar-me do homem. Ninguém o via caminhando lentamente, tão lentamente, com a cabeça erguida e com uma criança nos braços rente ao muro de pedra fria.

Agora eu penso no que podia ter feito. Era preciso ter decidido depressa. Mas eu tinha a alma e as mãos pesadas de indecisão. Não via bem. Só sabia hesitar e duvidar. Por isso estava ali parada, impotente, no meio do passeio. A cidade empurrava-me e um relógio bateu horas.

Então a multidão parou e formou um círculo à volta do homem. Ombros mais fortes do que os meus empurram-me para trás. Eu estava do lado de fora do círculo. Tentei atravessá-lo, mas não consegui. As pessoas apertadas umas contra as outras eram como um único corpo fechado. À minha frente estavam homens mais altos do que eu que me impediam de ver. Quis espreitar, pedi licença, tentei empurrar, mas ninguém me deixou passar.

Lembrei-me de que tinha alguém à minha espera e que estava atrasada. As pessoas que não viam o homem começavam a ver-me a mim. Era impossível continuar parada.

Então, como o nadador que é apanhado numa corrente desiste de lutar e se deixa ir com a água, assim eu deixei de me opor ao movimento da cidade e me deixei levar pela onda de gente para longe do homem.

Mas enquanto seguia no passeio rodeada de ombros e cabeças, a imagem do homem continuava suspensa nos meus olhos. E nasceu em mim a sensação confusa de que nele havia alguma coisa ou alguém que eu reconhecia.

Rapidamente evoquei todos os lugares onde eu tinha vívido. Desenrolei para trás o filme do tempo. As imagens passaram oscilantes, um pouco trémulas e rápidas. Mas não encontrei nada. E tentei reunir e rever todas as memórias de quadros, de livros, de fotografias. Mas a imagem do homem continuava sozinha: a cabeça levantada que olhava o céu com uma expressão de infinita solidão, de abandono e de pergunta.

E do fundo da memória, trazidas pela imagem, muito devagar, uma por uma, inconfundíveis, apareceram as palavras:

– Pai, Pai, por que me abandonaste?

Então compreendi por que é que o homem que eu deixara para trás não era um estranho. A sua imagem era exactamente igual à outra imagem que se formara no meu espírito quando eu li:

– Pai, Pai, por que me abandonaste?

Era aquela a posição da cabeça, era aquele o olhar, era aquele o sofrimento, era aquele o abandono, aquela a solidão.

Para além da dureza e das traições dos homens, para além da agonia da carne, começa a prova do último suplício: o silêncio de Deus.

E os céus parecem desertos e vazios sobre as cidades escuras.

Voltei para trás. Subi contra a corrente o rio da multidão. Temi tê-lo perdido. Havia gente, gente, ombros, cabeças, ombros. Mas de repente vi-o.

Tinha parado, mas continuava a segurar a criança e a olhar o céu.

Corri, empurrando quase as pessoas. Estava já a dois passos dele. Mas nesse momento, exactamente, o homem caiu no chão. Da sua boca corria um rio de sangue e nos seus olhos havia ainda a mesma expressão de infinita paciência.

A criança caíra com ele e chorava no meio do passeio, escondendo a cara na saia do seu vestido manchado de sangue.

Então a multidão parou e formou um círculo à volta do homem. Ombros mais fortes do que os meus empurram-me para trás. Eu estava do lado de fora do círculo. Tentei atravessá-lo, mas não consegui. As pessoas apertadas umas contra as outras eram como um único corpo fechado. À minha frente estavam homens mais altos do que eu que me impediam de ver. Quis espreitar, pedi licença, tentei empurrar, mas ninguém me deixou passar. Ouvi lamentações, ordens, apitos. Depois veio uma ambulância. Quando o círculo se abriu, o homem e a criança tinham desaparecido.

Então a multidão dispersou-se e eu fiquei no meio do passeio, caminhando para a frente, levada pelo movimento da cidade.

 

**

 

Muitos anos passaram. O homem certamente morreu. Mas continua ao nosso lado. Pelas ruas.

 

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) is considered to be one of Portugal’s finest poets and short story writers. Her poetry has been widely translated, but her short stories are less well known outside of Portugal. Like her poetry, they are deeply rooted in the physical world, but also have both a spiritual and a political edge to them.

Tags

fictionPortugueseSophia de Mello Breyner Andresen

Share on

  • Facebook
  • Twitter
  • Pinterest
  • Google +
  • LinkedIn
  • Email
Previous articleMedellín
Next articleThe Familiar Stranger

You may also like

Billy Luck

To the Depths

Dearly Departed

Ad

In the Magazine

A Word from the Editor

Don’t cry like a girl. Be a (wo)man.

Why holding up the women in our lives can help build a nation, in place of tearing it down.

Literature

This House is an African House

"This house is an African house./ This your body is an African woman’s body..." By Kadija Sesay.

Literature

Shoots

"Sapling legs bend smoothly, power foot in place,/ her back, parallel to solid ground,/ makes her torso a table of support..." By Kadija Sesay.

Literature

A Dry Season Doctor in West Africa

"She presses her toes together. I will never marry, she says. Jamais dans cette vie! Where can I find a man like you?" By...

In the Issue

Property of a Sorceress

"She died under mango trees, under kola nut/ and avocado trees, her nose pressed to their roots,/ her hands buried in dead leaves, her...

Literature

What Took Us to War

"What took us to war has again begun,/ and what took us to war/ has opened its wide mouth/ again to confuse us." By...

Literature

Sometimes, I Close My Eyes

"sometimes, this is the way of the world,/ the simple, ordinary world, where things are/ sometimes too ordinary to matter. Sometimes,/ I close my...

Literature

Quarter to War

"The footfalls fading from the streets/ The trees departing from the avenues/ The sweat evaporating from the skin..." By Jumoke Verissimo.

Literature

Transgendered

"Lagos is a chronicle of liquid geographies/ Swimming on every tongue..." By Jumoke Verissimo.

Fiction

Sketches of my Mother

"The mother of my memories was elegant. She would not step out of the house without her trademark red lipstick and perfect hair. She...

Fiction

The Way of Meat

"Every day—any day—any one of us could be picked out for any reason, and we would be... We’d part like hair, pushing into the...

Fiction

Between Two Worlds

"Ursula spotted the three black students immediately. Everyone did. They could not be missed because they kept to themselves and apart from the rest...."...

Essays

Talking Gender

"In fact it is often through the uninformed use of such words that language becomes a tool in perpetuating sexism and violence against women...

Essays

Unmasking Female Circumcision

"Though the origins of the practice are unknown, many medical historians believe that FGM dates back to at least 2,000 years." Gimel Samera looks...

Essays

Not Just A Phase

"...in the workplace, a person can practically be forced out of their job by discrimination, taking numerous days off for fear of their physical...

Essays

The Birth of Bigotry

"The psychology of prejudice demands that we are each our own moral police". Maria Amir on the roots of bigotry and intolerance.

Fiction

The Score

"The person on the floor was unmistakeably dead. It looked like a woman; she couldn’t be sure yet..." By Hawa Jande Golakai.

More Stories

Reinventing the Reel: Captain America: The Winter Soldier

Film critic Jay Sizemore writes on why Captain America: The Winter Soldier is a return to form for the Marvel franchise.

Back to top
One last love letter...

April 24, 2021

It has taken us some time and patience to come to this decision. TMS would not have seen the success that it did without our readers and the tireless team that ran the magazine for the better part of eight years.

But… all good things must come to an end, especially when we look at the ever-expanding art and literary landscape in Pakistan, the country of the magazine’s birth.

We are amazed and proud of what the next generation of creators are working with, the themes they are featuring, and their inclusivity in the diversity of voices they are publishing. When TMS began, this was the world we envisioned…

Though the magazine has closed and our submissions shuttered, this website will remain open for the foreseeable future as an archive of the great work we published and the astounding collection of diverse voices we were privileged to feature.

If, however, someone is interested in picking up the baton, please email Maryam Piracha, the editor, at [email protected].

Farewell, fam! It’s been quite a ride.

Read previous post:
The Letter I Never Sent Harper Lee

"This letter does you about as much good living as dead, so I opted to share it only when doing...

Close